Choros que o pó amassaram,
Ódios, fel, desesperança,
Minha crueza geraram:
Sou a estátua da Vingança!
Maltês,meu nome de guerra!
Ver-me é logo pressentir
Que o vento sul se descerra:
Já mirram searas, de o ouvir!
De noite vou pelas eiras,
-Alma em fogo-deitar fogo
A searas,medas inteiras:
Abraso e assim desafogo!
Sou fera?Vá,que me domem!
-E vós outros que sereis?
Não sou fera, não, sou o Homem,
O Escravo firmando leis!
Meu sangue reza nas veias;
Por quem reza? porquem chora?
Pelos que terras alheias
Foram escravos outrora!
Oculto no chão barrento,
Com piedade,com ternura,
Os que dormem ao relento,
Os mortos sem sepultura!
Coveiro da própria raça!
Dor de além-dor! Ao que eu vim
Grito e o medo me trespassa,
Acordo e fujo de mim!
Existo e ausento-me.Há escuro
Na minha memória:-em vão
Me interrogo e me procuro...
Sou realidade ou visão?
Choro, e as lágrimas apagam
Dúvidas, queixas, martirios...
Unções celestes afagam
A noite dos meus delirios!
Campos de azinheiras velhas...
Se os revolvo,as minhas mãos,
Súbito ficam vermelhas
Do sangue dos meus irmãos!
Nos montes,a medo,ás tardes,
Trancam-se as portas; se as forço,
Caem-me aos pés os covardes,
Mudos de assombro e remorso!
DE Mário Beirão